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Benefícios do Programa de Compliance na área Trabalhista

Benefícios do Programa de Compliance na área Trabalhista

Escrito por Vanessa Luiza Siraque Potente . 08 . 03 . 2023 Publicado em Artigos

 Por Vanessa Luiza Siraque Potente 

 

  1. Introdução 

Precipuamente, cumpre destacar que o presente artigo tem por finalidade apresentar o significado, conceito e surgimento no âmbito nacional, do programa de compliance na área trabalhista dentro da corporação.  

Objetiva-se também demonstrar que a instituição do compliance possui o fito de prevenir, detectar e responder à riscos de integridade, bem como desenvolver boas práticas em seu sistema de gestão para assegurar segurança e estabilidade nos negócios,  melhorando o clima organizacional por meio da promoção e disseminação de uma cultura positiva neste aspecto. Com isso será gerado um meio ambiente de trabalho mais sadio, refletindo em maior produtividade e lucratividade nos negócios. 

Como será demonstrado, o compliance torna-se uma ferramenta imprescindível no ponto de vista econômico e social, uma vez que a sociedade atual, no papel das pessoas e organizações, busca sempre mais se relacionar com empresas comprometidas fortemente com a transparência dentro dos negócios, o que traz consequentemente maior credibilidade no mercado e a minimização de judicialização de conflitos na área trabalhista. 

Portanto, discorrer-se-á sobre a importância da implementação de um programa de compliance pautado na prevenção, ética e combate de riscos dentro dos negócios, a fim de que a corporação atue em total conformidade com a legislação trabalhista de modo amplo, observando as Leis, Convenções Coletivas, Acordos Coletivos, Resoluções, Normas Regulamentadoras e demais regulamentos aplicáveis à empresa, o que trará maior segurança patrimonial, com aumento da produtividade, credibilidade e lucratividade no ramo de atuação, bem como a redução de custos com litígios desnecessários, garantindo a longevidade das operações. 

 

  1. Significado, conceito e surgimento do Compliance no Brasil 

O termo compliance vem do verbo em inglês “to comply”, o qual remete a ideia de “agir em sintonia com as regras”. 

 

De acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE:  

“Compliance é um conjunto de medidas internas que permite prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um de seus sócios ou colaboradores. 

Por meio dos programas de compliance, os agentes reforçam seu compromisso com os valores e objetivos ali explicitados, primordialmente com o cumprimento da legislação. Esse objetivo é bastante ambicioso e por isso mesmo ele requer não apenas a elaboração de uma série de procedimentos, mas também (e principalmente) uma mudança na cultura corporativa. O programa de compliance terá resultados positivos quando conseguir incutir nos colaboradores a importância em fazer a coisa certa. 

Uma vez que tais colaboradores podem apresentar diferentes motivações e graus de tolerância a riscos, o programa tem por função ditar valores e objetivos comuns, garantindo sua observância permanente. Programas de compliance podem abranger diversas áreas afetas às atividades dos agentes econômicos, como corrupção, governança, fiscal, ambiental e concorrência, dentre outras, de forma independente ou agregada”. 1 

 

Observa-se, portanto, que a inserção de um programa de compliance tem por finalidade a prevenção e minimização de riscos, por meio de mecanismos/regras para a correta observância da legislação em seu sentido amplo.  

Contudo para que seja efetiva a implementação desse programa, necessariamente deve ocorrer mudança na cultura organizacional interna para que todos, desde funcionários, clientes, empresas parceiras e terceirizadas,  que transacionem com a organização empresaria ou a ela prestem serviços, entendam as diretrizes e a importância de sua correta aplicação. 

     Apesar da implementação de programas de compliance ser uma prática comum em outros países, no Brasil este tema passou ser difundido com mais ênfase após a promulgação da Lei Anticorrupção de nº 12.846/2013, meses antes das investigações conduzidas pelo Ministério Público em relação à vários esquemas de corrupção no País, os quais influenciaram o endurecimento da regulamentação e a adoção pelas empresas, uma vez que trouxe maior consciência sobre as consequências das más condutas e não conformidades legais dentro do ambiente corporativo. 

Destaca-se que a Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), da qual o Brasil faz parte desde 2000, trouxe grande interferência na criação da Lei Anticorrupção brasileira, sendo que o seu principal fundamento é o combate à corrupção no comércio internacional e a adoção de medidas para que haja cooperação entre os países signatários. 

 

Maeda (2012, p. 168) assevera que:  

Nos últimos anos, o tema Compliance, especialmente em matéria de anticorrupção, tem figurado no topo da lista de prioridades de grande parte das empresas, particularmente, daquelas com operações multinacionais. Investimentos significativos têm sido realizados no desenvolvimento de estruturas e programas de Compliance voltados à prevenção e à detecção de desvios de conduta, bem como na remediação de eventuais problemas identificados.  

(…)  

De fato, as consequências trazidas a pessoas físicas e jurídicas pelo descumprimento de legislações anticorrupção tem sido cada vez mais significativa”.2 

 

      Além da Lei citada no presente capítulo deste artigo, há outras normas tanto no âmbito internacional quanto nacional que contribuíram para a história do compliance em nosso País, sendo que este vem cada vez mais intensificando a ideia de instituição dentro das empresas, como uma forma de garantir a integridade e a mudança na cultura organizacional, com a consequente melhora financeira e operacional. 

 

No  âmbito nacional, além da própria Lei Anticorrupção que trouxe um maior destaque para o tema, podemos citar brevemente as seguintes legislações: (i) Lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional de nº 7.492/86, popularmente conhecida como “ Lei do Colarinho Branco”; (ii) Lei dos crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e contra as Relações de Consumo de nº 8.137/90; (iii) Lei da Improbidade Administrativa de nº 8.429/92; (iv) Lei de Defesa da Concorrência de nº 12.529/11; (v) Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro e nº 12.683/12; (vi) Estatuto das Estatais de nº 13.303/16; (vii) Decreto de nº 9.203/17 o qual dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional; (viii) Lei das Agências Reguladoras de nº 13.848/19; (ix) Decreto de nº 11.129/2022 o qual regulamente a Lei Anticorrupção, dentre outras. 

 

  1. Os benefícios do programa de Compliance na seara trabalhista 

 

Como pode-se observar, o compliance visa além da adequação das organizações às normas legalmente aplicáveis ao seu seguimento de negócio, a mudança também na cultura organizacional em seu aspecto amplo, com a “quebra” de paradigmas para que todos os envolvidos com a corporação entendam a sua importância e consequentemente a eficácia do programa instituído. 

Indubitavelmente, é extremamente importante que para a sua correta aplicação ocorra um levantamento do histórico da empresa por meio de uma auditoria específica neste sentido, tanto para a análise da corporação como um todo, quanto para traçar os procedimentos necessários a fim de que todos sigam suas diretrizes, as quais devem estar de acordo com toda a legislação aplicável para o negócio. 

No aspecto trabalhista, a implementação do programa deve estar pautada na prevenção, detectação e resposta aos riscos da área com sua observância, desde às questões relacionadas ao vínculo empregatício até aos contratos de prestação de serviços firmados com empresas terceirizadas, indo ao encontro da legislação em seu aspecto amplo, ou seja, além das leis aplicáveis no direito do trabalho, deverá ser verificada as Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho, Resoluções, Normas Regulamentadoras, Políticas Internas da empresa e demais regulamentos para o correto cumprimento e minimização de passivos. 

 

Ainda, vale ressaltar que as corporações possuem no aspecto trabalhista uma função social, conforme discorre o Dr. Marlon Tomazette (2014 p. 291): 

 

“As práticas de responsabilidade social não representam apenas o cumprimento das normas do país de atuação, mas especialmente a adoção de comportamentos que atentem aos interesses da coletividade que permeia a atividade empresarial, exercendo uma função social, estando diretamente ligadas a questões de direitos humanos, meio ambiente e trabalhadores, sem que tal lista seja exaustiva. Assim sendo, o tema da responsabilidade social das corporações está ligado ao princípio da função social da empresa, que decorre do reconhecimento da função social da propriedade, mas também da busca do lucro pelas corporações”3 

 

Também neste mesmo sentido, o próprio Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE dispõe o seguinte: 

 

 “Colaboradores cientes das “regras do jogo” estão em melhor posição para fazer negócios sem receio de violar as leis, assim como para procurar assistência caso identifiquem possíveis questões concorrencialmente sensíveis. Temas de ordem concorrencial aparecem com frequência em negociações comerciais; programas de compliance bem elaborados e devidamente implementados permitem aos colaboradores tomar decisões com mais confiança. O medo de violar as leis – notadamente quando envolvido risco de persecução penal – pode intimidar os colaboradores e eventualmente desestimular a concorrência mais acirrada e legítima”.4 

 

Considerando as especificidades e necessidades de cada negócio, é importante que a análise para a instauração se atenha de forma subjetiva, uma vez que nem todas as ferramentas/pilares do programa podem ser efetivas para determinada corporação. 

A auditoria inicial antes de sua efetiva implementação servirá tanto para o auxílio no procedimento de identificação dos riscos como também para o monitoramento periódico de seu correto cumprimento. 

Após essa etapa, com a consequente definição de objetivos e avaliação de riscos, é de extrema importância que ocorra a implementação das técnicas de compliance, as quais devem ser efetivas para a corporação. 

Não obstante a complexidade do sistema, a doutrina compilou em nove pilares as exigências previstas no artigo 57 do Decreto de nº 11.129/2022, o qual regulamenta a Lei Anticorrupção, quais sejam: (i) suporte da alta administração; (ii) gestão de riscos; (iii) elaboração de um código de conduta; (iv) elaboração de controles internos/políticas de compliance; (v) comunicação e treinamento para os colaboradores; (vi) gestão de terceiros; (vii) criação de um canal de denúncias; (viii) investigação interna; e, (ix) monitoramento constante/auditoria do programa. 

Reitera-se que a análise prévia fará com que seja possível verificar quais pilares de fato serão aplicáveis ao negócio para que o programa que será instaurado seja efetivo. 

Ainda, importante destacar que o monitoramento do programa não possuí uma data final, haja vista que uma vez aplicado deverá ser parte da corporação enquanto esta estiver ativa.  

Não obstante a complexidade do sistema, a aplicação dos pilares citados, servem como um embasamento para possibilitar que as corporações consolidem um ambiente de trabalho em que se é possível prevenir, detectar e corrigir possíveis riscos que possam ocasionar danos, muitas vezes, irreparáveis. 

A devida observância do regramento instituído por todos os envolvidos com a corporação fará com que haja a consequente redução de prejuízos decorrentes de passivos ou fiscalizações trabalhistas pelos órgãos responsáveis neste sentido, bem como a consciência da importância da empresa tanto na esfera econômica quanto social. 

Ainda, um programa de compliance claro, com regras bem definidas e efetivamente aplicado, gerará reflexos positivos na reputação da empresa, o que contribuirá de forma significativa para o seu crescimento, seja no mercado interno ou externo com o consequente aumento de sua lucratividade e melhorias no ambiente laboral sempre pautada na função social da empresa. 

 

  1. Conclusão 

 

Como restou observado no presente artigo, o compliance trabalhista possuí diversos benefícios para a corporação, sendo que a sua instauração auxilia, de modo efetivo, na prevenção, detectação e resposta aos riscos, visando um ambiente corporativo ágil no diagnóstico e  na assunção de medidas corretivas.  

A análise dos pilares que serão utilizados para a efetividade do programa deverá ser realizada de modo personalíssimo, considerando as especificidades e individualidade de cada negócio, com o fim de trazer,  de fato, resultados positivos para a organização. 

Verifica-se que o compliance torna-se uma ferramenta imprescindível no ponto de vista econômico e social, a qual além de permitir que as empresas estejam em conformidade com todas as normas das quais são obrigadas a seguir, minimizando assim possíveis passivos ou fiscalizações trabalhistas, trará melhorias no ambiente de trabalho com o desenvolvimento dos colaboradores e maior engajamento destes com a missão, visão e valores da corporação.  

Diante disso, referido programa traz um maior controle da política organizacional da corporação, auxiliando a inspeção de toda a cadeia produtiva dos que a cercam. 

Um amplo acompanhamento e a manutenção dos procedimentos de compliance inseridos e arraigados na cultura da empresa, consequentemente resultará em crescimento e maior reputação no mercado, inclusive com a diminuição de demandas que impactam consideravelmente a saúde financeira da empresa. 

Por último, diante das peculiaridades e complexidade do programa de compliance, necessário o apoio jurídico de advogados especializados na área a fim de sua efetividade e correto cumprimento. 

 

  1. Bibliografia 

 

​​CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Programas de Compliance. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf  Acesso em: 26 Mar. 2023.​ 

DEBBIO, Alessandra Del; MAEDA, Bruno Carneiro; AYRES, Carlos Henrique da Silva (Coord.). Temas de anticorrupção e Compliance. Rio de Janeiro: Elsever, 2012, p. 168. 

NASCIMENTO, Débora Minuncio. Evolução Histórica e Legislações Acerca do Compliance. Disponível em: https://advocaciadeboramn.jusbrasil.com.br/artigos/700763578/evolucao-historica-e-legislacoes-acerca-do-compliance#_ftn2 Acesso em: 26 Mar. 2023 

TOMAZETTE, Marlon. Direito Societário e Globalização Rediscussão da Lógica Público-Privada do Direito Societário diante das Exigências de um Mercado Global. São Paulo: Atlas, 2014, p. 291.