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Sham litigation x Litigância de má-fé

Sham litigation x Litigância de má-fé

Escrito por Fernanda São Pedro Gusmão . 11 . 08 . 2023 Publicado em Artigos

Por Fernanda S P Gusmão 

O que é Sham Litigation? 

Originária do Common Law, notadamente dos precedentes formados nos Estados Unidos, sham litigation, ou “litigância simulada”, é uma expressão que visa coibir o exercício abusivo do direito de peticionar e de demandar, oriunda do direito concorrencial. 

Sham litigation trata-se da prática de ajuizar ação ou conjunto de ações junto ao Judiciário, que não possuem embasamento sólido, fundamentado e potencialidade de sucesso com o objetivo oculto de prejudicar algum concorrente direto do demandante, criando despesas com a tramitação de processos judiciais e prejudicando sua imagem e reputação. 

Sham litigation se equipara à litigância de má-fé? 

 De início podemos pensar que há certa coincidência entre os institutos, porém na prática, tanto no aspecto material quanto processual, a equivalência não se sustenta. 

A origem de ambos os institutos é diversa, sham litigation surge do direito concorrencial e está vinculado ao uso abusivo do direito processual com o intuito de prejudicar a atividade de determinado concorrente, ou seja, para a prática anticoncorrencial. Ao ser verificado enseja condenação para reparar os danos, patrimoniais e extrapatrimoniais, eventualmente causados. 

A litigância de má-fé, instituto já bastante familiar do direito brasileiro, trata-se do abuso do direito processual de uma das partes envolvidas na lide, buscando um fim obscuro, em detrimento da boa-fé ou dos bons costumes.  

Aquele que litiga de má-fé será condenado a pagar multa de 1% a 10% do valor da causa corrigido, além de indenização por eventuais prejuízos causados, inclusive honorários advocatícios e despesas efetuadas. 

No nosso ordenamento jurídico temos mais familiaridade com o abuso de direito sob a perspectiva do direito material, especialmente, no âmbito do direito privado, conforme disposição do artigo 187 do Código Civil, que diz: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”. 

Entretanto, ainda que seja atípico, admite-se o reconhecimento de ato ilícito por abuso processual, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais. 

Sobre o assunto, destaque-se trecho do julgamento do Recurso Especial nº 1.817.845-MS, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: 

A despeito de a doutrina da sham litigation ter se formado e consolidado enfaticamente no âmbito do direito concorrencial, absolutamente nada impede que se extraia, da ratio decidendi daqueles precedentes que a formaram, um mesmo padrão decisório a ser aplicado na repressão aos abusos de direito material e processual, em que o exercício desenfreado, repetitivo e desprovido de fundamentação séria e idônea pode, ainda que em caráter excepcional, configurar abuso do direito de ação.   

Por fim, considerando que o acesso à justiça possui status de direito fundamental e está intrinsecamente ligado ao Estado Democrático de Direito, importante destacar que o reconhecimento de eventual abuso do direito de ação deve ter caráter excepcional sem qualquer vestígio de dúvida, ou seja, estar apto a ser reconhecido explicitamente, sob risco de violar preceitos fundamentais.