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Metaverso: A possibilidade e validade da celebração de contratos no mundo digital

Metaverso: A possibilidade e validade da celebração de contratos no mundo digital

Escrito por João Pedro Ferraz Delgado . 13 . 12 . 2023 Publicado em Artigos

Por João Pedro Delgado 

 

Nos últimos anos, o “metaverso” emergiu como um espaço virtual multidimensional, com o intuito de replicar a realidade, permitindo interações dentro do mundo digital, sem que, para isso aconteça, haja a necessidade de interação fora dele.  

Teve sua primeira aparição em 2003, através do “jogo” Second Life”, que tratava de um mundo virtual, com diversos recursos do mundo real, como lojas, empresas, interação em tempo real, e muito mais. Hoje em dia, este modelo é bastante conhecido pelo jogo “Fortnite”. 

Passou a ter mais conhecimento a partir de outubro de 2021, ocasião em que Mark Zuckerberg, criador do “Facebook”, anunciou que mudaria o nome de sua empresa de “Facebook” para “META”, declarando que o foco da companhia passaria ser a exploração do mercado de realidade virtual e realidade aumentada, motivado pelo fato de que a sociedade teve de aderir cada vez mais ao mundo digital e se adaptar a esta nova realidade de relações virtuais, principalmente em decorrência da pandemia da COVID-19. 

Diante do anúncio mencionado, surgem questionamentos sob a ótica jurídica. Será possível realizar negócios jurídicos no ambiente virtual do metaverso, como a celebração de contratos? Referidos contratos serão válidos? Se válidos, vigorarão apenas no ambiente virtual ou poderão ser executados no mundo real? 

Nos termos do artigo 104, do Código Civil, para que um negócio civil seja válido, neste caso o contrato, necessária a presença de alguns requisitos: (i) agentes capazes, ou seja, os contratantes devem possuir capacidade civil; (ii) o objeto do contrato deve ser lícito, possível e determinado, ou determinável; e (iii) forma determinada ou não proibida por lei. 

Em uma primeira análise, pode-se concluir que no que concerne os requisitos (ii) e (iii), não há qualquer limitação na celebração dos contratos em ambiente virtual, uma vez que em se tratando de objeto lícito, não há, no ordenamento jurídico, uma lei que proíba tal prática, desde que o contrato não demande forma prevista em lei, como é o caso de venda de imóveis, por exemplo, em que se necessita de escritura pública. 

Por outro lado, no que concerne o requisito de os contratantes possuírem capacidade civil, destaca-se certa preocupação, uma vez que as plataformas digitais nem sempre conseguem garantir quem são as pessoas do outro lado, e tampouco suas idades. 

Nesta seara, podem ser utilizadas, para garantir a identidade das partes, a assinatura eletrônica ou a assinatura digital, essa última que se dá por meio de certificado digital, emitido pela ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira), o que confere validade no mundo real a essas assinaturas efetuadas em ambiente digital, práticas que já são comumente adotadas quando da celebração de contratos atualmente. 

Os contratos firmados em meio digital se mostram, inclusive, mais práticos e ágeis, uma vez que além de poderem ser negociados, elaborados e assinados dentro do metaverso, conforme demonstrado, existe a possibilidade de utilizar a tecnologia blockchain, que armazena informações criptografadas que não são passíveis de alteração ou exclusão, o que traz segurança ao negócio firmado digitalmente. 

Quando utilizada, referida tecnologia pode dar origem aos smart contracts, que já foram objeto de artigo publicado nas redes sociais do EAA, que em resumo, são contratos firmados na plataforma blockchain, que são autoexecutáveis. 

Com a ausência de fronteiras (físicas), mostra-se de suma importância que as partes elejam, no contrato a ser firmado, a legislação e o foro aplicáveis caso hajam controvérsias a serem solucionadas, a fim de se evitar eventuais problemáticas decorrentes de jurisdição e interpretação. 

A inexistência de previsões legais específicas com certeza trará aos empreendedores e entusiastas do metaverso grandes desafios, entre eles o de alinhar paralelos jurídicos disponíveis aos seus interesses, garantindo aos contratos firmados neste ambiente virtual a maior segurança jurídica possível. 

É claro que, assim como os contratos eletrônicos, tão comuns hoje em dia, passaremos por um período de adaptação, no qual serão elaboradas normativas específicas, sob os mais diversos aspectos, sendo certo que o aspecto contratual, é somente um dos inúmeros questionamentos que a implantação do metaverso acarretará. 

Nota-se, desta forma, que o metaverso ainda é chamado de futuro, mesmo se tratando de tecnologia criada há anos, estando mais próximo a cada dia de se tornar uma realidade na vida de toda a sociedade, extrapolando seu uso apenas em jogos virtuais.  

Ainda existem muitas dúvidas sobre o metaverso… Os avatares possuirão direitos de personalidade? E propriedade intelectual? As leis aplicáveis serão as mesmas do mundo real, como o Código de Defesa do Consumidor? Ou serão necessárias edições de normas específicas ao mundo digital? Todas ainda pendem de resposta. 

Fato é que existem muitas ideias sobre o que é o metaverso, contudo, pouco se sabe como funcionará e o que se tornará. A única certeza sobre o assunto é de que à medida que mais usuários e empresas fizerem uso da plataforma, e realmente o incorporarem em suas vivências, este evoluirá e expandirá, o que ocasionará em diversas implicações jurídicas e regulatórias.