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A Implantação do Juiz das Garantias sob o Prisma da Decisão do STF

A Implantação do Juiz das Garantias sob o Prisma da Decisão do STF

Escrito por Lucas Eduardo Bagatin Ribeiro . 14 . 12 . 2023 Publicado em Artigos

Por Lucas Eduardo Bagatin Ribeiro 

A Lei nº 13.964/19, mais conhecida como Pacote Anticrime, alterou significativamente a legislação penal e processual penal, modificando cerca de 17 dispositivos legais, entre eles o Código Penal (CP), o Código de Processo Penal (CPP) e da Lei de Execução Penal (LEP). 

Dentre as várias alterações, destacou-se a criação do Juiz das Garantias no âmbito processual penal. O artigo 3º-A do Código de Processo Penal passou a prever que o processo penal terá estrutura acusatória, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. 

O Juiz das Garantias será responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais dos investigados cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário. 

Acontece que a aplicação deste instituto havia sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal por meio da ADI 6298, que suspendeu a eficácia do Juiz das Garantias um dia antes da entrada em vigor do Pacote Anticrime. 

Após mais de 3 anos, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, proclamou o resultado do julgamento das quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305) que questionavam alterações no Código de Processo Penal (CPP) pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/19), entre elas a criação do Juiz das Garantias (ADI 6298). 

De acordo com a decisão, a alteração que instituiu o Juiz das Garantias é constitucional, ficando ainda estabelecido que a regra é de aplicação obrigatória, mas que cabe aos Estados, ao Distrito Federal e a União definir o formato em suas respectivas esferas. 

 

O que foi decidido pelo STF? 

 

Prazo para Implementação do Juiz das Garantias 

De acordo com o Supremo, a norma é de aplicação obrigatória, sendo estipulado o prazo de 12 meses, prorrogável por mais 12 meses, a partir da publicação da ata do julgamento, para que sejam adotadas as medidas legislativas e administrativas necessárias à adequação das diferentes leis de organização judiciária, à efetiva implantação e ao efetivo funcionamento do juiz das garantias em todo o país, conforme as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

 

Norma de Processo Penal 

Para o STF, as regras que foram introduzidas pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019) são uma opção legítima do Congresso Nacional visando assegurar a imparcialidade no sistema de persecução penal. O entendimento foi de que, como a norma é de processo penal, não há violação do poder de auto-organização dos Tribunais, pois apenas a União tem competência para propor leis sobre o tema. 

 

Competência até a Denúncia 

Ficou decidido ainda que o Juiz das Garantias atuará apenas na fase do inquérito policial e será responsável pelo controle da legalidade da investigação e pela salvaguarda dos direitos individuais dos investigados. A partir do oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público, a competência passará a ser do Juízo da Instrução. 

 

Casos que envolvem Prisão 

Em até 10 dias após o oferecimento da denúncia ou queixa, o Juízo da Instrução deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso. 

Foi afastada a regra que previa o relaxamento automático da prisão caso as investigações não fossem encerradas no prazo legal. Segundo o plenário, o Juízo poderá avaliar os motivos que ensejaram sua declaração. 

 

Áreas de atuação 

As regras relacionadas ao Juiz das Garantias não se aplicarão aos processos de competência originária do STF e do Superior Tribunal de Justiça, regidos pela Lei 8.038/1990, aos processos de competência do Tribunal do Júri, aos casos de violência doméstica e familiar e às infrações penais de menor potencial ofensivo, mas o Juiz das Garantias atuará nos processos criminais da Justiça Eleitoral. 

 

Investidura do Juiz 

Foi afastada a regra que previa a designação do Juiz das Garantias. Segundo a decisão, o juiz deverá ser investido conforme as normas de organização judiciária de cada esfera da justiça, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelos tribunais. 

 

Controle das Investigações em Andamento 

Foi fixado o prazo de até 90 dias, contados da publicação da ata do julgamento, para que os representantes do Ministério Público encaminhem, sob pena de nulidade, todos os procedimentos de investigação (PICs) e outros procedimentos semelhantes ao respectivo juiz natural. 

 

Exercício do Contraditório 

O exercício do contraditório será realizado, preferencialmente, em audiência pública e oral. Contudo, o juiz pode deixar de realizá-la quando houver risco para o processo ou adiá-la em caso de necessidade. 

 

Regras relacionadas a Imprensa 

Foi mantida a proibição para as autoridades penais de fazer acordos com órgãos de imprensa para divulgar operações. O Órgão colegiado do STF considerou que a divulgação de informações sobre prisões e sobre a identidade do preso pelas autoridades policiais, pelo Ministério Público e pelo Judiciário deve seguir as normas constitucionais para assegurar a efetividade da persecução penal, o direito à informação e a dignidade da pessoa. 

 

Considerações Finais 

A implantação do instituto gerou argumentos prós e contras. Entre os argumentos favoráveis, está a imparcialidade nas decisões finais, uma vez que dois juízes irão analisar o mesmo caso. Já entre os argumentos desfavoráveis está a dificuldade de resolver casos mais complexos, uma vez que a avaliação de dois juízes pode prolongar o andamento desses casos. 

O que pouco se sabe é que apenas dois países da América Latina não têm a figura do juiz das garantias: Brasil e Cuba. Além disso, entre os países que possuem o instituto, ainda há algumas exceções. Por exemplo, a Argentina possui juiz das garantias desde 1991, mas ele ainda não foi colocado em prática em todas as cidades. 

De qualquer modo, a implantação do juiz das garantias visa assegurar o sistema acusatório ou a estrutura acusatória do processo penal brasileiro, possuindo como características fundamentais a imparcialidade, a independência e a autonomia no momento da atuação do juiz.