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Reforma Tributária

Reforma Tributária

Escrito por César Augusto Prestes Nogueira Moraes . 01 . 08 . 2023 Publicado em Artigos

Por César Augusto Prestes Nogueira Moraes 

 

Nos últimos tempos o noticiário nacional tem dedicado tempo substancial à reforma tributária, haja vista os profundos impactos que a emenda constitucional causará no sistema jurídico, economia e sociedade. 

A Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº 45/2019 aprovada na Câmara dos Deputados e que se espera apreciação pelo Senado Federal neste segundo semestre, implementará no Brasil uma espécie de “IVA” (unificação de diversos tributos) tão comum em países europeus, com a promessa de simplificar o sistema tributário nacional e, com isso, reduzir indiretamente o custo das empresas e o “custo Brasil”. 

Basicamente haverá a unificação do ICMS e ISS no IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), e unificação do PIS e COFINS no CBS (Contribuição de Bens e Serviços), além da alteração do IPI no IS (Imposto Seletivo). 

A proposta merece elogio quanto ao aspecto da não cumulatividade tributária, segundo o qual a carga tributária verificada na cadeia negocial anterior não poderá compor a carga tributária da operação seguinte (aquisição de matéria prima para produção de um bem, por exemplo), bem como na busca da simplificação do atual sistema tributário (apenas a título de ICMS e ISS haverá substancial simplificação, vez que hoje o ICMS conta com mais de vinte e sete legislações no âmbito nacional, e o ISS com mais de cinco mil). 

No sistema atual o princípio da não cumulatividade é de fato mitigado diante da complexidade legislativa em que vivemos, havendo leis complementares, ordinárias, instruções normativas e soluções de consultas tratando do tema. Contudo, a PEC traz a não cumulatividade plena, evitando o recolhimento de “tributo sobre tributo”, corrigindo distorções. 

O IBS e CBS terão fatos geradores comuns (o que de fato já se verifica), e maior abrangência de sua incidência posto que tributarão operações de circulação de bens e serviços materiais e imateriais, inclusive direitos e importações, resolvendo conflitos interpretativos quanto a incidência de ISS ou ICMS sobre determinada operação, assim como questões envolvendo a nova econômica decorrente de avanços tecnológicos. 

O IS incidirá sobre a comercialização, produção ou importação de produtos prejudiciais ao meio ambiente e saúde, motivo pelo qual recebeu o apelido de “imposto do pecado”, demonstrando compromisso fiscal e tributário com pautas atuais da maioria dos governos democráticos.    

No que diz respeito ao ITCMD, sendo este o imposto incidente sobre doações e heranças, a alíquota será progressiva conforme o valor da doação ou herança, prática já adotada por alguns Estados da federação. 

O IPVA passará a incidir também sobre veículos aquáticos e terrestres, com possibilidade de diferenciação de alíquotas a depender do tipo, valor e impacto ambiental, e o IPTU poderá ter base de cálculo fixada por meio de decreto municipal. 

As empresas do Simples Nacional poderão continuar no regime simplificado e recolher paralelamente o IBS e CBS para utilização da não cumulatividade. 

A transição dos sistemas tributários começará no ano de 2026, e finalizará em 2033, de modo que por determinado período os departamentos fiscais e escritórios de contabilidade precisarão manter dois sistemas de apuração. 

Feito o panorama acima, resta saber se a reforma será boa ou ruim para as empresas e população de modo geral, sendo certo que hoje as opiniões se dividem na mídia especializada e estudiosos do assunto. 

A PEC possui vinte e um artigos que alteram o sistema tributário constitucional, contudo, várias particularidades deverão ser tratadas por Lei Complementar a serem aprovadas nos próximos anos, quando será possível se constatar com segurança se haverá aumento da carga tributária, bem como se realmente haverá “desburocratização” do sistema de arrecadação. 

O atual projeto foi concebido buscando a desburocratização do sistema tributário, e com isso trazer ganhos indiretos às empresas, contudo, no que diz respeito a carga tributária em si, a PEC acabará por trazer o aumento da carga tributária em alguns setores (como na prestação de serviços, responsável pela maior parte da economia brasileira) e diminuição em outros (em alguns setores da indústria), supostamente equilibrando-se e mantendo-se na carga tributária atual quando se analisa todo o sistema tributário (indústria, comércio e serviço). 

Ademais, ponto que está sendo pouco falado é a já anunciada segunda fase da reforma tributária almejada pelo Governo Federal, quando haverá mudanças na tributação do Imposto Sobre a Renda – IR e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. 

Nesta segunda fase o Governo objetiva a tributação dos dividendos das empresas, podendo se valer da proposta existente (Projeto de Lei n. 2.337/2021) ou formular proposta própria, sendo a expectativa que a segunda fase da reforma tributária seja buscada no decorrer do ano de 2.024. 

Todo esse contexto se soma ao déficit primário superior a quarenta bilhões divulgado pelo Governo e noticiado pela grande mídia, de modo que reforma tributária neste cenário e de forma parcial pode representar verdadeiro risco de aumento da carga tributária ainda que haja a desburocratização do sistema. 

Segundo a teoria das janelas quebradas cujas bases teóricas foram talhadas por James Q. Wilson e George Kelling em artigo publicado na revista The Atlantic Monthly1, e que desencadeou trabalhos e livros nas áreas da criminologia e sociologia, um edifício que possui uma janela quebrada deve ser rapidamente reparado, posto que do contrário vândalos quebrarão mais janelas até o ponto em que todas as janelas estarão quebradas, sendo certo que situação similar acontece no campo criminal, devendo pequenos delitos serem combatidos pelo Estado para que delitos maiores não venham a surgir. 

Pegando de empréstimo a teoria das janelas quebradas, tolerar aumento da carga tributária neste momento para alguns setores em benefício de potencial desburocratização e com a promessa de que o sistema como um todo continuará com a mesma carga tributária, bem como permitir reforma tributária por fases sem que seja possível a análise do conjunto da reforma com todas as suas nuances e efeitos, mantendo, ainda, situações lacônicas como a regulamentação de vários pontos por meio de futura Lei Complementar sem que sejam fixadas especificamente as balizas de referida norma, pode se mostrar caminho sem volta (ou com volta extremamente dificultosa e demorada) e estimular futuros aumentos da carga tributária (como a tributação de dividendos sem os ajustes necessários para que não haja bitributação, ou sem a correção da já castigada faixa de isenção do IRPF, por exemplo).