(Português) Por Mathews Scheffer
Um dos pilares da segurança jurídico-processual, e da duração razoável do processo, é o respeito aos prazos, e, por consequência, o respeito aos momentos da marcha processual, conforme definidos em lei. O instituto que bem ilustra essa questão é a “preclusão”, que traz estabilidade ao procedimento na medida em que gera a perda de um poder processual, ou da possibilidade de rediscutir questões já decididas, pela falta de arguição no momento oportuno [1].
O artigo 507, do Código de Processo Civil, não traz a definição de preclusão, mas dispõe sobre as duras consequências da sua ocorrência: “é vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão”.
Ou seja, se a parte tiver sido intimada para se manifestar sobre determinada matéria e deixar transcorrer o prazo para tanto, ela perde o poder de discutir aquela questão.
Como toda regra se confirma com a exceção, no caso não é diferente. Há o entendimento majoritário de que as chamadas matérias de “ordem pública”, também conhecidas como nulidades absolutas, que estão relacionadas diretamente com o senso de justiça e moralidade encontrados nas garantias fundamentais, podem ser arguidas a qualquer tempo e/ou reconhecidas de ofício pelo juiz.
A título de exemplo, encontramos no artigo 833, do Código de Processo Civil, uma lista de bens que são impenhoráveis. O inciso IX, talvez o mais simbólico da listagem, afirma que impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social.
Assim, penhorada uma verba e intimado o devedor, ele deverá arguir e comprovar a impenhorabilidade na hipótese mencionada, e o juiz deverá levantar a constrição, por disposição expressa da lei processual. E mesmo que o devedor não o faça no prazo legal, por se tratar de matéria de ordem pública, ele poderá levantar essa hipótese a qualquer tempo.
O tempo, ironicamente, no entanto, vem mostrando que existem exceções à exceção. Isso porque os Tribunais Superiores passaram a mitigar o entendimento de que matérias de ordem pública podem ser alegadas a qualquer momento.
Imagine o seguinte cenário: um devedor, sabendo da impenhorabilidade de determinada verba ou bem, e tendo a oportunidade de alegá-la, permite que o processo judicial tramite durante anos. No entanto, às vésperas da satisfação do crédito, comparece em juízo para argui-la, invocando a “ordem pública”, e, portanto, a possibilidade de remover o ato de constrição.
Inegável que ao preferir aproveitar melhor momento para aventar a nulidade, praticou manobra que não se coaduna com a boa-fé processual.
Essa conduta, aliás, conhecida como “nulidade de algibeira”, foi rechaçada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça [2]. A jurisprudência da Corte tem repudiado o uso do processo como instrumento difusor de estratégias, vedando, assim, essa prática [3] [4].
A mitigação introduzida pelo Superior Tribunal traduz o princípio do “duty to mitigate the loss”, que dispõe que a parte deve mitigar seu próprio prejuízo, não sendo razoável que ela deixe para alegar uma nulidade, mesmo que absoluta, somente quando melhor lhe aprouver [5].
Por essa óptica, portanto, havendo condução maliciosa de matéria de ordem pública, o reconhecimento da preclusão é a medida que se impõe.
Referências
[1] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed. totalmente reformulada. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
[2] REsp 1.714.163/SP, rel. Min. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 26/9/2019
[3] EDcl no REsp 1424304/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/08/2014, Dje 26/08/2014
[4] STJ, AgRg na PET no AREsp 204145 / SP, Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 23/06/2015
[5] Novo Código de Processo Civil Comentado, artigo por artigo. Salvador: Editora JusPodvm, 2017, 2ª edição, p. 460