(Português) por Luciana Cristina Escanhoela Propheta
1. Breve Histórico da Origem do Inquérito Apuração Falta Grave
De acordo com os doutrinadores Franciso Ferreira Jorge Neto e Joubert de Quadros Pessoa Cavalcante, na obra intitulada “Direito Processual do Trabalho1:
“O inquérito para apuração de falta grave tem suas origens na Lei Eloy Chaves, a qual permitia a dispensa dos ferroviários que tivessem 10 anos de trabalho para a mesma empresa ferroviária mediante a instauração de inquérito administrativo, presidido pelo engenheiro, em que era apurada a falta grave cometida pelo trabalhador.
Procedimento esse que foi estendido a outras categorias até ser adotado pela CLT (art. 853)”.
Assim, o Inquérito Para Apuração da Falta Grave está previsto na CLT – Consolidação das Leis do Trabalho – tendo surgido como garantia aos empregados com estabilidade decenal, antes da instituição do FGTS – Fundo de Garantia de Tempo de Serviço.
A Justiça do Trabalho tem suas origens com a criação do Conselho Nacional do Trabalho em 1923. Na década de 1930, foram criadas as Comissões Mistas de Conciliação para solução de conflitos coletivos do trabalho e as Junta de Conciliação e Julgamento para dirimir conflitos individuais.
A criação da Justiça do Trabalho foi prevista na Constituição Federal de 1934, definida pela Constituição de 1937 e oficialmente instalada em 1º de maio de 1941 não integrada ao Poder Judiciário, mas sim ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
O que se vê no nascedouro da Justiça do Trabalho é o cunho administrativo, vinculado ao Poder Executivo, justificando a existência do inquérito para apuração da falta grave na CLT. Nesse sentido é o ensinamento do eminente doutrinador Carlos Henrique Bezerra Leite2, que nos ensina:
“O termo “inquérito” deve-se ao fato de que a Justiça do Trabalho, quando criada em 1939, era um órgão de feição administrativa vinculado ao Poder Executivo, o que justifica diversas expressões típicas do direito administrativo na CLT. À luz da teoria geral do direito processual, podemos afirmar que o inquérito judicial para apuração de falta grave é, na verdade, uma ação constitutiva (negativa) necessária para apuração de falta grave que autoriza a resolução do contrato de trabalho do empregado estável por iniciativa do empregador”
A estabilidade decenal prevista no artigo 492 da CLT3 vigorou objetivamente até 1967, quando passou a vigorar a primeira lei do FGTS. À época não havia obrigatoriedade para adesão do instituto do Fundo de Garantia, assim o empregado poderia optar ou não. Diante desta dinâmica, os empregados que optassem não teriam direito à estabilidade.
À época no Brasil havia coexistência de dois tipos de empregados: (i) com possibilidade à estabilidade decenal; e (ii) optantes do FGTS.
A Constituição Federal de 1988 tornou obrigatório o FGTS e em 11 de maio de 1990 passou a vigorar a Lei 8036, conhecida como Lei do FGTS.
Com a obrigatoriedade do Fundo de Garantia, a possibilidade de estabilidade decenal dos empregados contratados desde então deixou de existir, no entanto o artigo 492 da CLT permanece vigente, pois necessário o Inquérito para Apuração de Falta Grave – artigos 853 a 855 CLT – em casos específicos no ordenamento trabalhista brasileiro.
2. O que é o Inquérito para Apuração de Falta Grave?
Inquérito para Apuração de Falta Grave, nas palavras do professor Sérgio Pinto Martins, “é medida judicial que tem por objetivo rescindir o contrato do empregado estável que incorreu em justa causa”.
Na obra intitulada “CLT 2022 Comparada e Comentada Pelos Magistrados do TRT 2ª Região”4, valiosa a definição para o entendimento desse Inquérito sui generis:
“O inquérito judicial para apuração de falta grave é ação de rito especial regulada nos arts. 853 a 855 da CLT. Devido à substituição da estabilidade decenal pelo sistema do FGTS, não se faz mais necessária sua instauração para a dispensa de empregados abrangidos pelo antigo regime, praticamente inexistente na atualidade”.
3. De quem é a legitimidade para propor o Inquérito para Apuração da Falta Grave?
A legitimidade ativa para interpor Inquérito para Apuração da Falta Grave pertence ao empregador, que o fará de forma escrita.
4. Estabilidades – Obrigatoriedade ou não de instauração do Inquérito Judicial Apuração de Falta Grave para o desligamento
Atualmente verifica-se a necessidade de proposição de inquérito judicial para apuração de falta grave para os empregados que detenham os seguintes tipos de estabilidades:
a. Empregado detentor da estabilidade decenal – Arts. 482, 494 e 853 da CLT; art. 14 da Lei 8.036/1990;
b. Dirigente Sindical – Súmula 379 do TST e Súmula 197 STF;
c. Empregado eleito para cargo de diretor em sociedade cooperativa – Art. 55 Lei 5.764/71;
d. Representante no Conselho Curador Curador do FGTS (art. 3º, §9º., Lei 8036/1990);
e. Representante no Conselho Nacional de Previdência Social (art. 3º, §7º, Lei 8213/1991);
f. Membro do Conselho Deliberativo das entidades fechadas de previdência complementar (art. 12, caput e §1º, LC 108/01);
g. Empregado público estável (art. 19, ADCT/CF);
h. Membro da Comissão de Conciliação Prévia (art. 625-B, §1º CLT).
Mas ao verificar o rol das estabilidades que podem ser enquadradas para a interposição do Inquérito em questão, pode-se estar pensando: Mas e as estabilidades provisórias mais faladas no nosso dia-a-dia? Para a demissão dos empregados que estão nessas situações também deve ser utilizado esta medida judicial?
A resposta é “não”, pois as demais estabilidades não possuem previsão legal da necessidade da interposição do inquérito judicial para apuração da falta grave, porém o empregador deverá tomar as devidas cautelas para a comprovação robusta – investigação criteriosa – de uma das faltas graves elencadas no artigo 482 da CLT para efetuar o desligamento de um empregado estável. Destacam-se como exemplo dessas estabilidades: (i) gestante (art. 10, II, b, ADCT/CF, Súmula 244 TST, art. 391-A e previsões convencionais de extensões); (ii) Membro titular e suplente da CIPA (art. 10, II, a, ADCT/CF e Súmula 339 TST) desde a candidatura até 01 (um) ano após o término do mandato; (iii) auxílio doença acidentário – espécie B91 – tem início no término do afastamento e se estende por 12 meses (art. 118 Lei 8213/91; (iv) serviço militar – gera estabilidade ao empregado desde a data da convocação até 30 dias após a dispensa (art. 60 da Lei 4.375/1964); (v) e as cláusulas previstas em convenções coletivas aplicáveis.
O desligamento de um empregado estável demanda ampla cautela do empregador que, a princípio, deverá identificar o tipo de estabilidade para o correto enquadramento da medida a ser tomada.
5. CLT e Previsão do Procedimento do Inquérito Judicial da Falta Grave
O Inquérito para Apuração da Falta Grave não possui procedimento correspondente ao do Inquérito existente no âmbito penal, esta nomenclatura deriva do caráter administrativo originário da Justiça do Trabalho, vinculada ao Poder Executivo.
Os artigos 853 a 855 da CLT preveem os procedimentos a serem adotados na propositura do Inquérito para Apuração da Falta Grave, os quais deverão ser cumpridos integralmente pelo empregador.
6. Qual o prazo para instauração do Inquérito para Apuração da Falta Grave?
O prazo de instauração do inquérito para apuração de falta grave contra empregado garantido com estabilidade previsto no artigo 853 da CLT, é 30 (trinta) dias, contados da suspensão do empregado.
7. Qual a consequência do Inquérito para Apuração da falta Grave no Contrato de Trabalho?
Para os empregados estáveis alvos dessa medida judicial haverá duas consequências possíveis nos seus contratos de trabalho:
(1ª) provada a falta grave – procedente o inquérito instaurado pelo empregador – o contrato será extinto e retroagirá à data da suspensão do empregado das suas atividades;
(2ª) não provada a falta grave – improcedente o inquérito instaurado pelo empregador – empregado retorna ao trabalho com direito ao recebimento de todos os salários desde a suspensão. Neste caso, contrato de trabalho permanece inalterado.
De elevada importância destacar que o ônus da prova no inquérito para apuração da falta grave é do empregador, fato que deve ser amplamente observado
8. Conclusão
O inquérito tratado nesse artigo é a medida judicial aplicável ao empregado estável, diante do cometimento de uma falta grave.
O enquadramento dessa medida judicial deve ser muito bem avaliado, pois a estabilidade atribuída a empregados que ocupam posições específicas são necessárias para garantia da liberdade ao exercício de direitos individuais e coletivos.
No entanto, a garantia da estabilidade não é salvo-conduto para o cometimento de irregularidades.