(Português) Por João Pedro Delgado
O Supremo Tribunal Federal está decidindo sobre a responsabilização de redes sociais por conteúdos prejudiciais produzidos por seus usuários antes mesmo de ordem judicial para remoção de referido conteúdo. A decisão final sobre o caso pode alterar as regras do jogo aplicadas até o momento para as plataformas digitais, como instagram, facebook, x (antigo twitter), tiktok, entre outros, bem como para empresas que utilizam da plataforma para marketing, e criadores de conteúdo, além dos próprios usuários, inclusive.
Em 28 de novembro de 2024, a Suprema Corte retomou o julgamento de três ações sobre o Marco Civil da Internet (MCI), Lei 12.965/14. No primeiro dia de julgamento, além das manifestações dos amicus curiae, o Ministro Dias Toffoli leu seu relatório sobre o caso do RE 1.057.258 (tema 533), que se refere a um caso de uma dona de casa que acionou a Justiça contra o Facebook por um perfil falso. O ministro Luiz Fux também apresentou seu relatório no RE 1057258, sobre uma professora que pediu à extinta rede Orkut que derrubasse uma comunidade ofensiva.
Ambos os recursos envolvem a aplicação do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Referido dispositivo legal estabelece as hipóteses em que um provedor de aplicações de internet pode vir a ser responsabilizado por conteúdos publicados por seus usuários, sob a previsão de que só poderão ser responsabilizados se após ordem judicial específica não removerem o conteúdo em tempo hábil.
Nos últimos anos, esse regime tem sido objeto de intenso debate pela mídia, pela sociedade civil e pelos três poderes, que ponderam se ele ainda é suficiente para enfrentar os desafios da internet. Essas discussões, indissociáveis da expansão da internet, da popularização das redes sociais e do contexto social e político do país, revolvem o debate sobre a liberdade de expressão e perpassam outros temas como desinformação médica e eleitoral, discurso de ódio, conteúdo antidemocrático e a proteção de crianças e adolescentes na internet.
No julgamento, o Supremo analisará se as plataformas podem ser responsabilizadas pelos conteúdos antes mesmo de ordem judicial para a remoção. A expectativa é de que a Corte declare o artigo 19 inconstitucional, mas não há definição sobre quais seriam os novos paradigmas para reger a responsabilização das plataformas digitais.
Em seu voto, o Ministro Toffoli, sustentou que a norma em debate conferia uma “blindagem” às plataformas, dificultando a proteção efetiva de direitos fundamentais, como a honra, privacidade e dignidade humana. Ele também destacou que as transformações tecnológicas e sociais desde a promulgação do Marco Civil demandam uma revisão normativa para assegurar um equilíbrio mais eficaz entre liberdade de expressão e responsabilidade. O Ministro ainda apontou que o modelo vigente transfere ao Judiciário o ônus excessivo de atuar na moderação de conteúdos, enquanto as plataformas, que lucram diretamente com o ecossistema digital, deveriam assumir maior responsabilidade.
Um dos principais aspectos abordados no voto foi o impacto dos algoritmos na amplificação de conteúdos nocivos e na criação de bolhas informacionais, que promovem desinformação e discursos polarizados. Toffoli sublinhou que a sistemática atual não responde adequadamente à rapidez com que conteúdos ilícitos se propagam, tampouco à gravidade dos danos que podem causar.
Empresas que possuem suas próprias plataformas, como Google e Meta sustentam que a extinção da obrigatoriedade de ordem judicial para a remoção de eventuais conteúdos não resolveria a questão dos conteúdos ilícitos e poderia aumentar a censura, afetando a liberdade de expressão. No entanto, especialistas e representantes de setores impactados veem na revisão da norma uma oportunidade de alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais, como o NetzDG alemão e o DSA europeu (já tratado em post em nossas redes sociais).
O debate demonstra que o universo digital encontra-se em constante transformação, sendo essencial para a mitigação de riscos e proteção das operações das plataformas e serviços digitais a adequação às novas regras e decisões jurídicas. Sendo o artigo 19 do Marco Civil da Internet declarado inconstitucional ou não, a única certeza até o momento é a necessidade de atualização de referida legislação pelo Congresso Nacional, a se realizar, provavelmente, em um futuro próximo, garantindo que a legislação acompanhe a transformação e avanço tecnológico.