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(Português) A revolução digital e o futuro dos contratos: impactos da reforma do Código Civil

(Português) A revolução digital e o futuro dos contratos: impactos da reforma do Código Civil

24 . 10 . 2025 Published in Articles
Written by João Delgado

(Português) O mundo se transformou radicalmente nas últimas duas décadas, e a forma como vivemos, trabalhamos e fazemos negócios tornou-se inseparável do ambiente digital. Diante dessa realidade, o Direito precisa evoluir. É nesse contexto que a proposta de reforma do Código Civil brasileiro se apresenta como um marco modernizador, buscando alinhar nossa legislação às complexas dinâmicas da sociedade digital e garantir segurança jurídica para o futuro. 

Um dos avanços mais significativos dessa reforma é a criação de um livro inteiramente dedicado ao Direito Digital. Essa iniciativa pioneira reconhece que as relações digitais não são mais um mero anexo da vida offline, mas sim um universo com regras e desafios próprios. Questões como patrimônio digital (criptoativos e contas online), neurodireitos, e a responsabilidade de plataformas exigem uma disciplina jurídica integrada ao coração do direito privado, e a proposta busca exatamente isso, estabelecendo as bases para um ambiente digital mais seguro e previsível. 

Dentro desse novo livro, o capítulo sobre a celebração de contratos por meios digitais merece destaque especial, principalmente ao tratar dos chamados smart contracts, ou contratos inteligentes. Concebidos como protocolos de computador que executam automaticamente os termos de um acordo, eles prometem revolucionar os negócios ao reduzir custos, riscos e a necessidade de intermediários. Com a ascensão da tecnologia blockchain, essa automação tornou-se ainda mais robusta e descentralizada, permitindo que as obrigações contratuais sejam cumpridas de forma autônoma e confiável. 

A reforma do Código Civil não apenas reconhece a validade desses novos formatos contratuais, mas vai além, demonstrando uma profunda preocupação com a proteção dos envolvidos. O projeto adota uma definição ampla e tecnologicamente neutra para “contrato digital”, garantindo que a lei não se torne obsoleta com o surgimento de novas tecnologias. Ao mesmo tempo, estabelece o princípio da equivalência funcional, segundo o qual as regras aplicáveis aos contratos tradicionais, em papel, também valem para os digitais, ressalvadas as particularidades do meio eletrônico. 

Contudo, a principal inovação está na governança técnica imposta aos smart contracts. A proposta legislativa exige que esses contratos automatizados atendam a requisitos mínimos de robustez, controle de acesso, auditabilidade e, crucialmente, a possibilidade de uma terminação segura — uma espécie de “botão de desligamento” para evitar execuções descontroladas ou danosas. Essa medida é fundamental para proteger a parte mais vulnerável da relação, que muitas vezes não possui o conhecimento técnico para auditar o código que rege o acordo. 

A proposta também orienta a interpretação desses contratos, determinando que os juízes considerem aspectos técnicos como a funcionalidade, a compatibilidade entre sistemas e a interoperabilidade. Isso significa que a análise não se limitará ao texto do acordo, mas abrangerá a arquitetura tecnológica que o executa, alinhando a análise jurídica à realidade do código. 

Ao adotar essa abordagem, o Brasil se posiciona na vanguarda da regulação tecnológica, dialogando com as mais avançadas iniciativas internacionais, como o Data Act da União Europeia, que também exige mecanismos de controle e auditoria para contratos inteligentes. A proposta brasileira combina o reconhecimento da validade das novas formas de contratação com a imposição de salvaguardas técnicas, criando um modelo de inovação responsável. 

Em suma, a reforma do Código Civil está construindo as fundações para um futuro contratual mais seguro e eficiente. Ao regular a arquitetura por trás da execução automática dos contratos, o Brasil deixa de apenas validar a comunicação eletrônica para efetivamente governar o código, garantindo que a autonomia privada e a boa-fé prevaleçam, mesmo nas relações mais automatizadas. É um passo decisivo para conferir previsibilidade aos negócios em ecossistemas digitais e fortalecer a confiança na economia do futuro.