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(Português) A proteção jurídica ao trabalho da mulher: avanços e desafios na busca por igualdade

(Português) A proteção jurídica ao trabalho da mulher: avanços e desafios na busca por igualdade

Written by Jéssica Acosta de Oliveira Pelle . 17 . 03 . 2025 Published in Articles

(Português) Por Jéssica Pelle 

 

No século XVIII, com o surgimento da Revolução Industrial, as mulheres passaram a integrar de maneira mais efetiva as relações de trabalho, embora em condições precárias. 

No Brasil, a participação feminina no mercado do trabalho começou a crescer a partir de 1930. No entanto, assim como ocorreu durante a Revolução Industrial, essa inserção não se deu de maneira igualitária, especialmente devido à disparidade salarial, entre outras formas de desigualdade. Apesar disso, a presença das mulheres no mercado se expandiu significativamente, tornando-se predominante em diversas áreas. 

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, é chamada de Constituição Cidadã por ter garantido vários avanços quanto aos direitos e garantias dos brasileiros e das brasileiras. 

Entre esses direitos e garantias está a vedação de práticas discriminatórias no Brasil, entre elas a da mulher trabalhadora. É certo que as constituições anteriores já proibiam a discriminação em razão do sexo, contudo, somente com a versão de 1988 é que foi eliminado no ordenamento jurídico brasileiro práticas restritivas ou discriminatórias contra a mulher no âmbito laboral. 

O artigo 5º, I, da CF é claro: 

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; 

 

Ainda, o artigo 7º da CF: 

 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: 

[…] 

XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; 

[…] 

XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; 

 

Válido, aqui, destacar que essas determinações constitucionais não significam que todos devem ser tratados, de forma absoluta, igualmente, mas que há necessidade de desigualar as pessoas que estão em situações desiguais (é a chamada igualdade material). 

Nesse caminho, o artigo 373-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): 

 

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999) 

I – publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999) 

II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999) 

III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999) 

IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999) 

V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999) 

VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999) 

 

Também, os artigos 377, 390-B e 391 da CLT: 

 

Art. 377 – A adoção de medidas de proteção ao trabalho das mulheres é considerada de ordem pública, não justificando, em hipótese alguma, a redução de salário. 

 

Art. 390-B. As vagas dos cursos de formação de mão-de-obra, ministrados por instituições governamentais, pelos próprios empregadores ou por qualquer órgão de ensino profissionalizante, serão oferecidas aos empregados de ambos os sexos. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 1999) 

 

Art. 391 – Não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez. 

Parágrafo único – Não serão permitidos em regulamentos de qualquer natureza contratos coletivos ou individuais de trabalho, restrições ao direito da mulher ao seu emprego, por motivo de casamento ou de gravidez. 

 

Inclusive, embora a lei mencionada no já transcrito artigo 7º, XX, da CF ainda depender de regulamentação, resta evidente que o legislador constitucional determina incentiva à inserção e manutenção da mulher no mercado de trabalho. 

Menciona-se que a CLT também prevê a obrigação de serem adotados esses incentivos: 

 

Art. 390-C. As empresas com mais de cem empregados, de ambos os sexos, deverão manter programas especiais de incentivos e aperfeiçoamento profissional da mão-de-obra. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 1999) 

 

Art. 390-E. A pessoa jurídica poderá associar-se a entidade de formação profissional, sociedades civis, sociedades cooperativas, órgãos e entidades públicas ou entidades sindicais, bem como firmar convênios para o desenvolvimento de ações conjuntas, visando à execução de projetos relativos ao incentivo ao trabalho da mulher. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 1999) 

 

Nesta ocasião, salienta-se que o repouso semanal remunerado da mulher trabalhadora obedece ao contido no artigo 386 da CLT, que possui comando diverso da norma prevista às atividades do comércio em geral (Lei nº 10.101/2000): 

 

Art. 386 da CLT – Havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical. 

 

Art. 6º da Lei nº 10.101/2000 – Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição. (Redação dada pela Lei nº 11.603, de 2007) 

Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva. (Redação dada pela Lei nº 11.603, de 2007) 

 

Quanto aos métodos e locais de trabalho da mulher, o artigo 389 da CLT obriga às empresas: 

 

Art. 389 – Toda empresa é obrigada: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) 

I – a prover os estabelecimentos de medidas concernentes à higienização dos métodos e locais de trabalho, tais como ventilação e iluminação e outros que se fizerem necessários à segurança e ao conforto das mulheres, a critério da autoridade competente; (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) 

II – a instalar bebedouros, lavatórios, aparelhos sanitários; dispor de cadeiras ou bancos, em número suficiente, que permitam às mulheres trabalhar sem grande esgotamento físico; (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) 

III – a instalar vestiários com armários individuais privativos das mulheres, exceto os estabelecimentos comerciais, escritórios, bancos e atividades afins, em que não seja exigida a troca de roupa e outros, a critério da autoridade competente em matéria de segurança e higiene do trabalho, admitindo-se como suficientes as gavetas ou escaninhos, onde possam as empregadas guardar seus pertences; (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) 

IV – a fornecer, gratuitamente, a juízo da autoridade competente, os recursos de proteção individual, tais como óculos, máscaras, luvas e roupas especiais, para a defesa dos olhos, do aparelho respiratório e da pele, de acordo com a natureza do trabalho. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) 

  • 1º – Os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
  • 2º – A exigência do § 1º poderá ser suprida por meio de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de entidades sindicais. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

 

No tocante ao emprego da força muscular, a CLT diferencia, com razão, os trabalhadores homens e mulheres: 

 

Art.198 – É de 60 kg (sessenta quilogramas) o peso máximo que um empregado pode remover individualmente, ressalvadas as disposições especiais relativas ao trabalho do menor e da mulher. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977) 

 

Art. 390 – Ao empregador é vedado empregar a mulher em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho continuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional. 

 

Importante consignar, ainda, que esse necessário tratamento diferenciado ao trabalho da mulher não impede prerrogativas às mães, pelo contrário, as mães trabalhadoras devem ter proteção diferenciada aos homens e até mesmo às mulheres não gestantes. 

Nesse sentido, o artigo 10, II, “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, Súmula nº 244, I, do TST e Tema com Repercussão Geral nº 497: 

 

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: 

[…] 

II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: 

[…] 

  1. b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

 

Súmula nº 244 – GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. 

I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT). 

 

Tema nº 497: A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa. 

Ainda no que tange à igualdade salário, a Lei nº 14.611/2023, denominada como igualdade salário e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, veio ampliar as disposições do art. 461 da CLT e cria transparência salarial. 

Esse é somente um exemplo da proteção dada pelo ordenamento jurídico à mulher trabalhadora, cabendo destacar que há previsão especial também quanto à licença-maternidade e adotante1, intervalos para amamentação2, afastamento por aborto não criminoso3, possibilidade de rescisão indireta na hipótese de trabalho prejudicial à gestação4 e condições específicas concernentes à gestação, lactação e exigências à manutenção e promoção da saúde5, entre outros. 

Essa proteção ao trabalho da mulher é plenamente justificável em razão do fato de que mesmo com essa proteção jurídica, ainda há maior sujeição das mulheres a discriminações, violências e assédios no trabalho, sem deixar de lado a prevalência, no Brasil, da dupla jornada delas, sobrecarregando-as com as tarefas relacionadas ao emprego e às domésticas, com cuidados com a casa e os familiares,  

Ressalta-se que recente relatório do Tribunal de Contas da União do Brasil6 – em parceria com o Programa da ONU para o Desenvolvimento e ONU Mulheres – lançou em 18 de fevereiro de 2025 aponta que mesmo com as mulheres terem média de escolaridade maior do que os homens, possuem renda inferiores; também restou evidenciada nos postos de trabalho a baixa taxa de ocupação das mulheres, especialmente nos cargos de liderança. 

Diante de tal cenário, é cristalino que o Brasil possui uma infinidade legislativa no que se refere a tentativa de equidade entre homens e mulheres, porém, o desafio da igualdade de gênero ainda prevalece. 

Apesar dos avanços legislativos, a igualdade de gênero no mercado de trabalho ainda enfrenta barreiras estruturais. As mulheres continuam a receber salários inferiores, a ocupar menos cargos de liderança e a enfrentar discriminação e assédio no ambiente profissional. Para que a proteção jurídica seja efetiva, é essencial que haja fiscalização rigorosa, maior conscientização da sociedade e políticas públicas que incentivem a equidade de forma concreta. Apenas assim será possível garantir que o mercado de trabalho seja um espaço verdadeiramente justo e digno para todas as trabalhadoras.