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A responsabilidade civil na reforma do Código Civil: mudanças e eventuais reflexos.

A responsabilidade civil na reforma do Código Civil: mudanças e eventuais reflexos.

Escrito por João Pedro Ferraz Delgado . 09 . 06 . 2025 Publicado em Artigos

Por João Pedro Delgado 

O Projeto de Lei nº 4/2025 propõe uma reforma profunda no Código Civil, com mais de 1200 dispositivos a serem modificados – um número expressivo que representa mais da metade dos artigos hoje vigentes. Dentre as diversas alterações, algumas já tratadas em publicações anteriores nas nossas redes sociais, a disciplina da Responsabilidade Civil também sofrerá significativas mudanças, inclusive mediante a substituição de dispositivos hoje vigentes. 

Essa reforma traz consigo a possibilidade de um incremento no rol de danos indenizáveis, além de agregar funções punitivas e preventivas à responsabilidade civil. É fundamental que empresas e indivíduos estejam cientes dessas modificações para se anteciparem aos impactos jurídicos e econômicos. 

Dentre todas as modificações, destacam-se algumas das principais e seus potenciais reflexos: 

Atual Redação  Projeto de Lei nº 4/2025 (Inclusão do Art. 927-B) 
Não equivalente  Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 

§1º A regra do caput se aplica à atividade que, mesmo sem defeito e não essencialmente perigosa, induza, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem. São critérios para a sua avaliação, entre outros, a estatística, a prova técnica e as máximas de experiência. 

O projeto de lei amplia o conceito de risco ao introduzir a categoria de “risco especial e diferenciado”, sem a necessidade de que a atividade seja essencialmente perigosa. Isso pode gerar insegurança jurídica, pois qualquer atividade, dependendo das peculiaridades que o julgador aprecie, poderá ser considerada de “risco especial” e afastar a necessidade de culpa para gerar o direito à indenização, acarretando em potencial aumento de litigiosidade pela parte requerida. 

Atual Redação (Art. 940)  Projeto de Lei nº 4/2025 (Art. 940-A) 
Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.  Aquele que demandar por dívida injustificada ou paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, sem prejuízo de arbitramento de valor compensatório complementar, caso as quantias cobradas sejam de módico valor. 

A nova redação permite que, além das restituições já previstas, o julgador arbitre um “valor compensatório complementar” em casos de cobranças indevidas ou de “módico valor”. Essa inserção consolida a possibilidade de o julgador aumentar a penalidade, tornando a cláusula penal legal inespecífica e sem eventual limitação, o que igualmente pode causar o aumento da litigância em caso de fixação desproporcional. 

Atual Redação (Art. 944)  Projeto de Lei nº 4/2025 (Inclusão do Art. 944-A) 
A indenização mede-se pela extensão do dano. 

 

Parágrafo único – Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. 

Art. 944 A indenização mede-se pela extensão do dano. 

 

§1º Se houver excessiva desproporção entre a conduta praticada pelo agente e a extensão do dano dela decorrente, segundo os ditames da boa-fé e da razoabilidade, ou se a indenização prevista neste artigo privar do necessário o ofensor ou as pessoas que dele dependam, poderá o juiz reduzir equitativamente a indenização, tanto em caso de responsabilidade objetiva quanto subjetiva.  

§2º Em alternativa à reparação de danos patrimoniais, a critério do lesado, a indenização compreenderá um montante razoável correspondente à violação de um direito ou, quando necessário, a remoção dos lucros ou vantagens auferidos pelo lesante em conexão com a prática do ilícito. 

 

Art. 944-A. A indenização compreende também todas as consequências da violação da esfera moral da pessoa natural ou jurídica. 

§3º Ao estabelecer a indenização por danos extrapatrimoniais em favor da vítima, o juiz poderá incluir uma sanção pecuniária de caráter pedagógico, em casos de especial gravidade, havendo dolo ou culpa grave do agente causador do dano ou em hipóteses de reiteração de condutas danosas.  

§4º O acréscimo a que se refere o § 3º será proporcional à gravidade da falta e poderá ser agravado até o quádruplo dos danos fixados com base nos critérios do §§ 1º e 2º, considerando-se a condição econômica do ofensor e a reiteração da conduta ou atividade danosa, a ser demonstrada nos autos do processo. 

A grande novidade na inclusão do Art. 944-A é a previsão de funções punitiva e preventiva à indenização por danos extrapatrimoniais. Em casos de dolo, culpa grave ou reiteração de condutas danosas, o juiz poderá fixar uma sanção pecuniária de caráter pedagógico, que pode chegar a até o quádruplo do valor dos danos fixados ou apurados, considerando a condição econômica do ofensor. Isso representa um abandono do princípio da reparação integral e um afastamento dos parâmetros estabelecidos pela jurisprudência, gerando imprevisibilidade e insegurança jurídica. 

Atual Redação  Projeto de Lei nº 4/2025 (Inclusão do Art. 944-B) 
Não equivalente  A indenização será concedida, se os danos forem certos, sejam eles diretos, indiretos, atuais ou futuros.  

§1º A perda de uma chance, desde que séria e real, constitui dano reparável.  

§2º A indenização relativa à perda de uma chance deve ser calculada levando-se em conta a projeção dos interesses que essa chance proporcionaria, caso concretizada, de acordo com as probabilidades envolvidas.  

§3º O dano patrimonial será provado de acordo com as regras processuais.  

§4º Em casos excepcionais, de pouca expressão econômica, pode o juiz calcular o dano patrimonial por estimativa, especialmente quando a produção da prova exata do dano se revele demasiadamente difícil ou onerosa, desde que não haja dúvidas da efetiva ocorrência de danos emergentes ou de lucros cessantes, diante da maturidade e experiência do julgador. 

O novo Art. 944-B amplia o conceito de indenização para incluir não apenas os danos diretos, mas também os indiretos, modificando profundamente o entendimento de nexo de causalidade, levando a contradição se considerarmos o artigo 403. Além disso, a proposta prevê expressamente a indenização pela perda de uma chance, desde que seja séria e real. Por fim, em casos excepcionais e de pouca expressão econômica, o juiz poderá estimar o valor do dano patrimonial, mesmo sem prova concreta, o que fragiliza o princípio da reparação integral. 

Diante dessas modificações profundas, se aprovadas, mostra-se a necessidade de eventual revisão de contratos e termos utilizados por empresas, incluindo ou modificando previsões de forma a imunizar ou amenizar efeitos caso seja obrigada a indenizar a parte contrária, como por exemplo, mediante cláusulas de limitação de responsabilidade, com a exclusão da indenização por danos indiretos e previsão de que a limitação atinge também os danos extrapatrimoniais.