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O Prazo Prescricional dos Cheques Pré-Datados: Entre a Letra da Lei e a Realidade Comercial

O Prazo Prescricional dos Cheques Pré-Datados: Entre a Letra da Lei e a Realidade Comercial

08 . 07 . 2025 Publicado em Artigos
Escrito por Felipe Propheta

Por Felipe Propheta 

 

A prática do cheque pré-datado, embora não prevista expressamente na legislação brasileira, consolidou-se como um instrumento comum nas relações comerciais. No entanto, sua natureza híbrida — entre a formalidade cambial e o acordo de vontades — tem gerado debates relevantes no campo do direito, especialmente quanto ao início da contagem do prazo prescricional para sua cobrança judicial. 

A Lei nº 7.357/85, conhecida como Lei do Cheque, estabelece que o cheque é uma ordem de pagamento à vista (art. 32), sendo considerada não escrita qualquer cláusula em sentido contrário. Assim, mesmo que contenha uma data futura, o título pode ser apresentado para pagamento imediatamente após sua emissão. O prazo para apresentação é de 30 dias, se emitido na mesma praça, ou 60 dias, se em praças distintas (art. 33). Após esse período, inicia-se o prazo de seis meses para propositura da ação de execução (art. 59). 

Contudo, a jurisprudência brasileira tem reconhecido a validade dos acordos extracartulares que estabelecem a data futura para apresentação do cheque, com base no princípio da boa-fé objetiva. A Súmula 370 do STJ, por exemplo, reconhece o dano moral decorrente da apresentação antecipada do cheque pré-datado, reforçando a força normativa desses acordos tácitos. 

Nesse contexto, surge a controvérsia: o prazo prescricional deve ser contado a partir da data de emissão do cheque ou da data convencionada para sua apresentação? Parte da doutrina e da jurisprudência entende que, para preservar a boa-fé e a segurança jurídica, o termo inicial da prescrição deve coincidir com a data pactuada entre as partes. Essa interpretação visa evitar que o credor seja penalizado com a perda do direito de ação por respeitar o acordo firmado. 

Por outro lado, há decisões que reafirmam a literalidade da Lei do Cheque, sustentando que a pós-datação não altera a natureza do título como ordem de pagamento à vista, tampouco modifica os prazos legais de prescrição. Essa corrente argumenta que admitir o contrário seria permitir a alteração casuística de prazos prescricionais, em afronta ao artigo 192 do Código Civil. 

Diante desse cenário, é imprescindível que os operadores do direito estejam atentos à jurisprudência dominante nos tribunais locais e ao perfil do caso concreto. Recomenda-se, ainda, que os acordos sobre a data de apresentação sejam formalizados por escrito, a fim de facilitar eventual prova em juízo. 

Em suma, o cheque pré-datado continua a desafiar a rigidez normativa com a flexibilidade da prática comercial. Cabe ao intérprete do direito equilibrar esses polos, garantindo segurança jurídica sem ignorar a realidade das relações negociais.